Por que não somos bilíngues?

O emburrecimento de um povo é a melhor forma de dominação pelos governantes.

Mas o problema começou muito antes de Vargas ter nascido. Vargas nasceu em 1882.

Em 1757, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral (o velho tupi) . Já em 1759, expulsou os jesuítas. E com essas duas medidas Pombal criou os alicerces para um Brasil monolíngue e com uma educação deficitária.

Durante séculos, consideramos o monolinguismo como marca de progresso. Era preciso acabar com a confusão de idiomas dos gentios, dizia Von Martius no século 19.

Não apenas a diversidade linguística autóctone foi combatida, mas também, embora por motivos diferentes, o uso de línguas estrangeiras.

Mesmo sentimento, deu-se de forma bem mais cruel, quando o ditador Getúlio Vargas implementou uma série de medidas que faziam parte de sua campanha da nacionalização. Que aliás, o isolamento cultural foi uma das marcas de seu governo.

Movimento que tinha a intenção de valorizar a cultura brasileira e fortalecer a unidade nacional. Na prática, as medidas acabam ganhando um contorno xenófobo. Essas medidas forçaram duas respostas: isolamento no campo e segregação.

Os imigrantes alemães e italianos do sul do país ainda se recordam que o ditador Vargas os proibiu de falarem suas línguas maternas, bem como de ensiná-las para as gerações nascidas no Brasil. No caso da educação, esse projeto teve um impacto forte.

A partir de 1938, o ensino de línguas estrangeiras era proibido e apenas brasileiros natos ou naturalizados poderiam trabalhar como professores. Isso quer dizer que as escolas criadas nas colônias que lecionavam na língua dos imigrantes eram ilegais e podiam, sim, ser fechadas pelo governo.

A situação era ainda pior no caso do alemão, do italiano e do japonês. Naquela época, essas eram as línguas dos países que constituíam o Eixo, adversários do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

A partir de 1939, foi proibida a circulação de jornais e revistas em língua estrangeira. Programas de rádio também foram suspensos. A repressão chegou a tal nível a ponto de incinerar livros e documentos escritos nessas línguas. Há relatos de pessoas dessa época em que intendentes passavam confiscando armas, livros, e até as toalhas de mesa com os dias da semana ou datas comemorativas bordadas em alemão.

Os orientais, majoritariamente japoneses, chegaram a ser mandados para campos de concentração no Brasil. O horror era tamanho que os que sobreviveram ou que eram conhecidos de sobreviventes não tiveram coragem de falar às gerações futuras. Uma geração marcada por uma perseguição política dentro do país onde sonhavam viver longe das guerras.

Assim, durante o período da ditadura Vargas, dentre outras medidas, todos os imigrantes e seus descendentes em território nacional foram proibidos de falar sua língua em público como uma forma de obrigá-los a se integrar à cultura brasileira. Tal determinação afetou diretamente a vida dos imigrantes alemães e seus descendentes, pois muitos não sabiam falar português e, pelo fato de o Brasil ter entrado na guerra contra a Alemanha, os mesmos passaram a sofrer ataques por parte da população brasileira: cusparadas, casas de comércio, jornais e estabelecimentos em geral, cujo dono era de origem alemã, foram incendiados e associações foram fechadas.

Nessa época, a convivência entre brasileiros e alemães foi conturbada, principalmente pelo fato de que os “nacionais” podiam abusar destas determinações impostas pela ditadura.

Não fossem as medidas proibitivas de Pombal e Vargas, poderíamos ter um número muito maior de pessoas bilíngues. Poderíamos ser um país de absoluta diversidade linguística, capaz de integrar-se no mais íntimo nível a diversos povos do mundo. Tudo de forma bastante natural.

Nos foi amputada essa oportunidade de diversidade linguística graças a um projeto político bem estruturado de emburrecimento da população, interesses políticos instáveis e um projeto de nacionalismo tende ao isolamento cultural.

Na imagem, um quadro obrigatoriamente exposto em casas comerciais, repartições públicas, clubes, ou em locais de aglomeração pública, atendendo à legislação da Ditadura Vargas quanto à proibição de se falar línguas estrangeiras em público, em especial dos países do Eixo.

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